Nos últimos anos, as startups, com seu ambiente laboral flexível e em constante transformação, consolidaram-se como símbolos de inovação e dinamismo econômico. Esse cenário, contudo, traz consigo desafios importantes de conformidade jurídica, sobretudo na esfera trabalhista.
Um dos pontos mais sensíveis é a imposição de jornadas exaustivas — seis ou até sete dias por semana — inspiradas em modelos estrangeiros como o polêmico “996” chinês (trabalho das 9h às 21h, seis dias por semana). Algumas startups brasileiras passaram a cultivar a ideia de que o excesso de horas trabalhadas seria sinônimo de comprometimento, quando, na verdade, essa prática esbarra em limites constitucionais e legais.
A Constituição Federal assegura jornada máxima de 44 horas semanais, além de descanso semanal e férias remuneradas. Já a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) detalha as regras sobre horas extras e a proteção da saúde do trabalhador. Não há, portanto, brechas jurídicas que legitimem a ultrapassagem desses parâmetros sob o argumento de acelerar o crescimento empresarial.
É fato que as transformações recentes no mercado de trabalho ampliaram a diversidade de contratos e arranjos laborais, sobretudo no ecossistema das startups, com destaque para a contratação de trabalhadores autônomos e de pessoas jurídicas (PJs). Contudo, observa-se neste ambiente problemas relacionados à sua estruturação e adequação às leis e regulamentações vigentes. Entre os principais riscos a serem observados destaca-se a ausência de formalização de regras entre sócios, parceiros e colaboradores; empregados sem registro formal ou sem um contrato adequado; falta de clareza normativa sobre a jornada férias e benefícios; inexistência de instrumentos de negociação coletiva; uso inadequado de bônus e premiações. Tais falhas, se não enfrentadas, ameaçam a credibilidade e a sustentabilidade do próprio ecossistema inovador.
É preciso lembrar que a inovação deve estar necessariamente vinculada a princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e a responsabilidade social do trabalho. Defender a conformidade trabalhista não constitui obstáculo ao empreendedorismo, mas sim condição essencial para sua longevidade.
O verdadeiro desafio das startups não está em buscar atalhos para contornar a legislação, mas em conciliar inovação e segurança jurídica. O espírito inovador se mede também pela capacidade de crescer de forma responsável. Em última análise, a sustentabilidade do ecossistema empreendedor depende de um equilíbrio saudável entre crescimento acelerado e respeito às normas que protegem quem viabiliza esse crescimento: o trabalhador.
Por Denison Leandro, sócio fundador da Denison Leandro Advogados